10/3/2005
Afinal n sou o unico a pensar assim
O Estudante
Há muitos muitos anos existia uma palavra chamada estudante. Era uma palavra com prestigio e dignidade e significava e encerrava um conjunto de qualidades perdidas. Esforço, atenção, concentração, trabalho, mérito, afirmação da personalidade e inteligencia. Uma pessoa, não necessáriamente um adolescente ou jovem, estudava para melhorar o seu mundo mental e para melhorar o mundo fisico a sua volta. O estudo era um método de auto-aperfeiçoamento, muito antes de auto-aperfeiçoamento significar apenas cirugia estética do corpo e da cabeça, ou o retoque cosmetico da notoriedade.Auto-aperfeiçoamento tem hoje a ver com dietas e alimentações naturais, massagens e maquilhagens, técnicas de percepção e de privação destinadas a tornar o comum dos mortais num imortal e, mais do que isso, num imortal saudavel.
Neste sentido, ler um romance de Dostoievski, ouvir uma cantata de Bach, assistir a uma peça de ibsen, admirar uma tela de Tintoretto ou apreciar a arquitectura da Bauhaus são exercicios mentais de auto-aperfeiçoamento que cairam em desgraça e duvida-se que venham a ser recuperados. São exercicios que foram substituidos pelo Shiatsu, a dieta Atkins, o transplante capilar, a meditação transcendal, o ginasio, a liposucção e, de um modo geral, a tremenda obcessão pelo fisico que caracteriza as sociedades de abundancia e bem-estar.
Os custos de manutenção mensal destas actividades destinadas a converter os quarentões e cinquentões em cópias do David e Miguelângelo e da Vénus de Milo (com bracinhos) enriquecem os provedores dos serviços e empobrecem a carteira do aspirante à perfeição. Os "tops" de não-ficção do New York Times passam semana a fio ocupados com livros que relatam o modo mais facil e rápido de deixar o neuronio em paz. Na verdade, tudo o que hoje solicite esforço e atenção, e faça trabalhar o atrofiado musculo cerebral, é posto de lado com a rapidez do raio e considerado um ornamento de uma elite intelectual dada a manias e ares de culta. O computador e a Net, com a infornação digerida e vomitada em segundos, ajudam a este estado de coisas, completados pela televisão anestesiante e o telemovel como modo univoco de comunicação.
Neste planeta vivemos e viveremos, vivendo bem, se comprararmos coma maioria do mundo, os oitenta e tal por cento que vivem mal e muito mal, incluindo os que sobrevivem e subvivem. E, neste planeta tecnológico, a palavra estudante, que ainda se usava por volta dos anos 70, caiu em desuso. Desapareceu, mudou-se para outras paragens. Só ouvimos falar de estudantes quando um grupo de fedelhos sem causas maiores anda por ai com cartazes e jeans de marca registada a clamar não ter direito para as propinas, tentado que a gente trabalhadora os leve a serio.
No meu tempo, a porta da universidade não tinha um carro e contavam-se pelos dedos os alunos que andavam de carrinho. Hoje, o adolescente exige aos pais, asim que atinge a maioridadem o seu automovel commo antes exigira o seu telemovel. Não sobra para as propinas.
Dantes, pais e professores exigiam coisas aos filhos, que estudassem e se aperfeiçoassem, senão ião trabalhar e deixar de vadiar. Hoje, a proposta inverteu-se e são os filhos que exigem a mesada e a cerveja gelada, o CD e a sapatilha, cama, mesa, pensão de alimentos roupa lavada.
O estudante, incluindo o estudante de café, sumiu-se, devorado pela sociedade de consumo, e é raro ver passar na rua um rapaz ou uma rapariga carregando um pacote de livros, uma pasta recheada de papeis, um objecto que o identifique como estudioso e não como comensal da universidade, com direito a cantina e estudo acompanhado.
Os estudantes identificam-se pelo apego a capas e batinas com rótulos de hotel colados no tecido e grandiosos projectos de bebedeiras e queimas das fitas. De resto, os livros nunca aparecem em cena, e os erros de ortografia abundam.
Uma variação muito estimável do estudante, o trabalhador-estudante, está praticamente extinta, visto que os pais sustentam os filhso ate aos 30 anos.
(substituimos a educação dos adolescentes e adultos pela televisão, e nos restaurantes e snacks (que deram cabo dos cafés e leitarias), são as televisões que ocupam o espaço fisico e mental disponivel, palrando o dia inteiro a sua indigencia e propagando o principio da abolição do esforço e da perfeição. Vença na vida, concorra a um concurso, torne-se "top model", jornalista, apresentador(a) de televisao.
O recrutamento faz-se nas profissoes dos "media" e do acesso imediato, consideradas mais brilhantes do que a longa paciencia do génio e da investigação. Geramos seres informados e ignorantes, a não ser que a sua classe social lhes permita o acesso e os oriente pelos corredores da cultura e do conhecimento.
Os pais, a familia, o meio. O trablhador-estudante foi-se.Ha quem chame a isso progresso
Clara Ferreira Alves, in PLUMA CAPRICHOSA, Jornal Expresso n.º 1662 / 4 SET. 04
Texto coligido por Ricardo Zúquete
Friday, October 06, 2006
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