Do outro lado da mesa olhava-o coma face entediada de quem não gosta do que ouve. Por detrás, a luz de um dia de verão entrava pelas janelas que formavam a parede. Um céu azul pontilhado pelo belo branco das nuvens contrastava com o negrume humano que se sentava à sua frente.
A mesa, qual palco de guerra, era de vidro translúcido, tintado de um escuro acinzentado. Reflectia as garrafas e copos de água que o tempo se encarregara de gastar.
O tempo dedicara-se também a produzir fortunas nos advogados que a ambos serviam, a escrever contratos e atas, infrações de patentes e acordos para licenças, estas e outras burocracias que alimentam o sistema caduco em que se movimentam.
Nunca pensara que ao criar um brinquedo para a sua cria a vida mostrasse o seu lado mais feio e imprevisível. Desde as noites sem dormir de volta de esquiços e notas, aos dias consumidos prototipando até à exaustão a alegria alheia, toda esta aventura criativa resumir-se-ia àquilo que após perder a sua carreira seria a esperança da sobrevivência.
Era, agora, posta em causa por aqueles que sentados em gabinetes com vistas panorâmicas para a cidade de formigas, insignificantes seres que diariamente faziam o seu trabalho e o de mais alguém, gentes de sonhos térreos e ambições curtas.
Já tudo tinha sido dito, orçamentos de ambas as partes para este problema gastos. Na última audiência inesperadamente subentendeu-se a vitória do inventor. Daí talvez o súbito interesse da companhia no acordo amigável em que não só receberia lucros provenientes do licenciamento como ainda royalties de 10%.
Ficaria rico, justiça feita, e sustento vitalício para si e para os seus. A longa batalha que tantas vezes fora desesperante e desmoralizadora aproximava-se do fim e a vitória cheirava-se no ar.
O olhar, no entanto, era de desafio
Para quem estava prestes a pagar-lhe o que de direito, parecia demasiado arrogante. Arrogante e enfadado, como que esperando algo que nunca mais acontecia.
Quando finalmente, ao volante do seu carro já com tudo assinado e amanhã assegurado, os travões não funcionaram após o embate traseiro do carro antigo que o seguira desde a porta da Companhia até à serra escarpada, ele percebeu.
Os pequenos nunca ganham.
Nunca ganharam, nunca ganharão, e ele não seria a excepção.
Antes de falecer, durante a queda, viu na calma aborrecida do advogado a previsibilidade do sei final. A esperança numa conclusão feliz impedira-o de compreender que o que estava em jogo não eram os seus direito, mas sim a omnipotência de quem controla o poder.
Morreu, segundo a investigação e conclusão oficial, vitima de um acidente provocado por excesso de velocidade. A família chorou-o, pobre.
Tuesday, February 26, 2013
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