Sunday, March 01, 2009

crueldades

As pessoas deprimidas têm uma beleza ... que não sei bem explicar. É enternecedor o seu ar perdido no mundo, o olhar vazio, as completa ausência de perspectivas de futuro, aquela auto-estima tão diminuida, tão frágil, tão ridicula, tão inexistente. O conformismo provocado por ansioliticos e anti-depressicos, adoro de um modo cruel e até algo sádico (convenhamos, as pessoas sofrem ao ponto de o suicidio ser para si próprias a melhor solução, preferivel à dor de viver). Acho que se prende com o olhar. É o olhar que me encanta. É tão verdadeiro aquele olhar. Tão forte. Tão forte de ser tão fraco. Tão transparente de todas as fragilidades emocionais, o não ter qualquer vida é tão transmissor de uma existência sofrida e sentida, por algo ou alguém, não interessa, é irrelevante. A confiança cega num médico qualquer (só por aqui se vê o quão alienados do mundo as pessoas deprimidas estão) que os desconhece, que em meia dúzia de sessões os convence que sabe o suficiente da sua vida para lhe apontar o caminho a seguir, a falta de fé em si mesmo transmitida pela fé pelo profissional de saúde, o confiar. É tão bonito quando as pessoas confiam. Resulta sempre mal, mas tão bonito. Não chega à poética lirica do Belo, mas é bonito, admitamos, é. O olharmos-nos ao espelho, questionarmos-nos, o porque das nossas acções, o porquê de nós, o porquê de ainda não termos acabado com a vida, o porquê de andarmos a adiar o inevitável, a mariquice pegada que somos, a desculpa esfarrapada de pessoa, a vergonha, a vergonha de ainda vivermos, de não sermos bons, de não sermos os melhores, de toda a gente à nossa volta ter mais importância que nós. Ó que é tão bela a miserável consciencia da nossa própria irrelevância. O espelho é um objecto magnifico. As emoções e introspecções que provoca anossa própria imagem. O ser humano é tão narcisista, a nossa própria imagem faz-nos pensar no papel das pessoas no mundo. no nosso papel. na inexistência clara e objectiva de um papel para nós. a imagem de eufaz-nos perceber em depressão que não somos ninguém nem nada está reservado para nós. o confronto interior com a não importância do nosso ser no mundo é uma reação digna de recordação. As pessoas deviam ter guardado em fotografia mental o momento em que nascem, o primeiro beijo (enfim, é um sentimentalismo bonito que até que é fofo recordar), o primeiro desgosto de "amor" (partindo do principio que o leitor(a) acredita nesta balela), e o momento em que descobre que não é ninguém. Caramba. Há melhor momento de humildade profunda do que esta concretização? Quem nunca teve uma depressão não merece respeito. Não sabe verdadeiramente o se lugar no mundo, não passou pela experiencia de não se compreender a si próprio e de lunáticamente questionar tudo e todos, questionar-se a si próprio, não saber por momentos distinguir a realidade da alucinação, não se temer a si próprio. E daí, talvez isto não seja depressão, talvez seja psicose doentia ou algo do género, paranóia ou dupla personalidade à lá esquizofrénico. Mas com consciencia da própria loucura. OS dementes são tão cativantemente encantadores. Qualquer dia compro uma moradia unifamiliar com telha lusa, relvinha e jardim com uma pequenissima piscina em forma de feijão, e no quintal enfio uma casota onde guardo um(a) pscicótico(a) preso(a) pelo pescoço. As maravilhosas tardes de folia que iremos ter!

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