Boa viagem.
Aligeirou a gravata de seda, suspirou e fugiu a saudosa lágrima.
Lá fora, pela janela de vidro do tecto ao chão, a cidade pulsava com a vida que ele em breve iria abandonar. Esperava a Morte não natural com a calma nervosa de quem sabe o inevitável, reconfortando-se com a satisfação de ter tudo ao seu alcance para o que é Certo.
As luzes na noite fria de Nova Iorque aqueciam a paisagem de sólidos geométricos coloridos, onde iria ser ignorado por quase todo o mundo o seu feito, a sua morte prematura, o mártir, o seu sacrifício.
Olhou pelo seu Patek Philippe as horas, o adeus estava estranhamente atrasado. Levantou-se e esperou deambulando pela sua carpete persa, admirando uma parede com dois Millets e um Manet.
- A arte é esplendorosa - pensou.
- O Mundo merece-a - pensou.
- A Arte é conhecimento. É cultura. É a possibilidade do ser humano criar e criticar, pensar, de se superar, de entender e, por sua vez, libertar.
- A Cultura é Liberdade.
Porta abriu-se de repente, flashbang. Cai atordoado com barulho e luz, sente apenas o som incompreensível de ordens tácticas esvoaçando pelo último oxigénio que alguma vez respiraria.
vultos
Sente-se preso, movimentos bloquiados: foi apanhado.
Frank Sinatra no quarto, Glenfiddich perdido criminosamente no chão de mogno, Armani destruído pela eficácia policial. Os Homens seguem as ordens que autoridades superiores lhes dão, qual ovelha sem vontade e visão; poltrona pela janela uma chuva de vidro. Segundos depois, a ironia:
"Voa minha pomba branca"
Assim morreu o último Anónimo.